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    quinta-feira, maio 25, 2006

    Carlos Bernardo

    Quantas pessoas cabem embaixo de uma máscara?
    Quantas máscaras cabem embaixo de uma pessoa?

    Longe está da nossa intenção, visto que estaremos falando da pessoa, estabelecer conexões estreitas entre biografia e obra. Mesmo sabendo que as duas inexoravelmente se pertencem, torna-se difícil, ou no mínimo problemático, efetuarmos ligações diretas e explícitas entre ambas.
    Se sabemos, por exemplo, que o pai do poeta morreu quando este contava cinco anos, as conclusões que podemos tirar deste fato, em relação à sua poética, devem ser muito cautelosas. Nada nos autoriza irmos além deste ponto.
    O próprio Fernando Pessoa, numa carta a João Gaspar Simões — o mesmo que, após a morte do poeta, elaborou algumas interpretações redutivas e, ao nosso ver, extremamente literais, em relação à sua personalidade — impôs limites à função do crítico:
    estudar o artista exclusivamente como artista, e não fazendo entrar no estudo mais do homem que o que seja rigorosamente preciso para explicar o artista; buscar o que poderemos chamar a explicação central do artista (tipo lírico, tipo dramático, tipo lírico elegíaco, tipo dramático poético, etc.); compreendendo a essencial inexplicabilidade da alma humana, cercar estes estudos e estas buscas de uma leve aura poética de desentendimento. Este terceiro ponto tem talvez qualquer coisa de diplomático, mas até com a verdade, meu querido Gaspar Simões, há que haver diplomacia.
    Diplomaticamente recusaremos este papel. Carl Gustav Jung é categórico quando diz que não devemos chamar um mineralogista para estudar a Catedral de Colônia porque ela é feita de pedras. A obra é mais do que a matéria prima com que foi fabricada.
    Além do mais, o autor, como figura central do processo literário, passou a ser muito questionado por teóricos de variadas orientações. Daremos três exemplos.
    Roland Barthes decreta a morte do autor. Cita, para ilustrar seus argumentos, um conto de Balzac intitulado Sarrasine, onde um dos personagens descreve algumas das características da Mulher. Esta descrição não nos interessa aqui. Mais importante é a questão formulada por Barthes: Quem fala dessa maneira acerca da mulher? O personagem? Balzac, o homem? Balzac, o escritor? É uma opinião coletiva? Originada de uma Psicologia Romântica? Várias interrogações poderiam ser acrescentadas, sem que tenhamos uma resposta satisfatória. Para Barthes isso irá ocorrer sempre que um fato é recontado com a única intenção de expressá-lo.
    O autor ainda reina nos manuais de história literária, em biografias de escritores, entrevistas em revistas, e na própria consciência de escritores ansiosos em unir, por meio de diários privados, sua pessoa e seu trabalho; a imagem da literatura encontrada na cultura contemporânea é tiranicamente centrada sobre o autor, sua pessoa, sua história, seus gostos, suas paixões; a crítica ainda consiste em dizer que a obra de Baudelaire é a falha do homem Baudelaire, a de Van Gogh é sua loucura, a de Tchaikovsky seu vício: a explicação do trabalho é ainda buscada na pessoa de seu produtor, como se, através da alegoria da ficção mais ou menos transparente, foi sempre, em última instância, a voz de uma única e mesma pessoa, o autor, que estaria transmitindo suas "confidências".

    O texto produzido não é considerado como o lugar onde o autor expressa suas mensagens, mas como um espaço multidimensional atravessado por uma multidão de escritos.
    Gaston Bachelard escolhe outra linha de argumentação. Nos vários textos que publicou sobre a imagem poética sempre enfatiza que a característica básica de qualquer imagem poética é a absoluta novidade de seu conteúdo. Esta novidade ou valor poético só se encontra livre para revelar-se quando é desvinculada do passado do poeta. O foco de interesse deixa de ser biográfico passando a ser exclusivamente literário. Tomemos como exemplo a primeira e a quarta estrofes do poema Aniversário, de Álvaro de Campos, buscando detectar esta tensão entre o passado do poeta e a novidade da imagem.
    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
    Eu era feliz e ninguém estava morto.
    Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
    E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma re ligião qualquer.


    O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
    Pondo grelado nas paredes...
    O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
    O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
    É terem morrido todos,
    É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...Interpretando biograficamente estes versos, podemos com certeza associá-los às condições de vida de Fernando Pessoa. Antes de completar oito anos, já havia perdido o pai, o irmão, a casa e o próprio país com a mudança da família para a África. É muito provável que, por esta época, especificamente após seus cinco anos, quando morreu seu pai, as comemorações não devessem ser festivas. Basta lembrar histórias de famílias, mesmo católicas, que no dia 25 de dezembro, o dia do nascimento de seu salvador, não conseguem comemorar a data por causa de um parente morto, para compreendermos a dor da família do poeta. O poema teria origem no sofrimento do pequeno Fernando diante destes acontecimentos, sendo a prova de seu sofrimento na ocasião. O poema existe para efetuar uma catarse aristotélica, como se fosse uma espécie de grito de dor.
    Gaston Bachelard, porém, busca a novidade do poema, não o seu desvencilhar de emoções passadas. O poema abre um "porvir da linguagem", um desejo de ser compreendido em si mesmo, tal como um anjo anunciando sua boa nova, como se nunca soubéramos da história do poeta, que se torna desnecessária ao entendimento do poema.
    Consideramos este poema como uma das "chaves" (entre aspas por não gostarmos desta metáfora) da poética pessoana. Vemos nele a saudade de uma época quando a morte ainda não havia sido descoberta, quando o passar dos anos era representado apenas por um enfeite a mais sobre o bolo, quando a alegria era uma repetição num mundo sem tempo. Tudo destruído por este mesmo tempo, um tempo-morte, com sua implacável lei da transitoriedade, com a imobiliária lei da venda das casas. Hoje, quando passamos no lugar onde havia a nossa casa, mesmo que o pai e o irmão ainda estejam vivos, mesmo que não tenhamos ido a nenhuma África, sentimos saudades do "tempo em que festejavam o dia dos meus anos".
    Em resposta a João Gaspar Simões, Fernando Pessoa diz nunca sentir saudades da infância. Tem, sim, saudades das pessoas que amava, mas não do tempo em que as amava. Define sua índole como sendo a de um futurista.5 Bachelard entenderia esta definição em termos próximos a esta sua tese da novidade da poesia, pois ela sempre remete a um futuro, na medida em que acrescenta algo à consciência. "Existe um futurismo em todo universo sonhado".
    Gaston Bachelard inverte os fatores que compõem a relação entre a vida do poeta e a poesia que, por seu inter-médio, se revela. Na matemática, somos ensinados, a ordem dos fatores não altera o produto, mas na literatura (e na psicologia) obtemos resultados completamente diferentes com uma simples inversão. Por isso, para evitar a atitude do crítico que avaliou a obra de Verlaine a partir do chapéu que ele usava, Bachelard escreveu:
    A crítica literária psicológica nos dirige para outros interesses. De um poeta ela faz um homem. Mas nas grandes realizações da poesia o problema permanece inteiro: Como pode um homem, apesar da vida, tornar-se poeta?7
    Por último, vamos lembrar o estudo de Francisco Achcar intitulado "Lírica e Lugar-Comum". Achcar mostra que a poesia lírica — embora considerada como sendo a expressão subjetiva do eu do poeta, uma confissão de emoções sentidas — possui, em sua constituição, uma série de temas, lugares-comuns ou "topoi". A presença destes topoi leva ao questionamento da absoluta originalidade da poesia lírica e das teorizações que a definem como poesia do eu. A originalidade escontra-se no uso destes temas que, em si mesmos, são fornecidos pela tradição, não importando agora sua origem primeira. Concluimos que a lírica não é uma poética absoluta e exclusivamente pessoal.
    Outro aspecto sobre o qual Achcar chamou a atenção refere-se à também discutida sinceridade da lírica. Em geral esta sinceridade é entendida como uma correspondência entre o que diz o eu-lírico no poema e a experiência extrapoética do poeta. Acredita-se, portanto, haver uma relação estreita entre o poema e o estado de espírito do poeta, daí a sinceridade da lírica.
    Mas, Achcar argumenta, se compararmos esta sinceridade com "fides", termo da retórica antiga, traduzido como "confiança" ou "pacto de lealdade", teremos uma outra concepção desta sinceridade. Ou seja, ela não precisa ser literal. Ela está ligada ao "efeito de verdade" que o texto exerce sobre o leitor-receptor.
    Portanto, em sua aplicação literária, fides designa um efeito de mímese bem realizada e não corresponde à idéia de sinceridade no que esta possa ter de extrapolação psicológica ou biografista.
    Tudo isto é de importância vital quando pretendemos estudar um "autor" que, quando fala com sinceridade, não sabe com que sinceridade fala.9 Para Fernando Pessoa, a diferença entre literatura insincera e literatura sincera não está no que o poeta sente, mas sim no que o poema transmite ao leitor. Concordando, dessa forma, com Francisco Achcar, o poeta escreve:
    Chamo de insinceras às coisas feitas para fazer pasmar, e às coisas, também — repare nisto, que é importante — que não contêm uma fundamental idéia metafísica, isto é, por onde não passa, ainda que como um vento, uma noção da gravidade e do mistério da Vida.
    Estas idéias metafísicas não são invenções originais e pessoais de Fernando Pessoa e heterônimos, mas são idéias disseminadas na cultura, transmitidas desde o momento em que o homem passou a ter consciência da sua delicada e especial posição existencial.
    Por este motivo (e por outros que serão revelados ao longo deste trabalho) não podemos aceitar as interpretações de João Gaspar Simões, redutivas, como já falamos, e muito pouco imaginativas. Em especial, rejeitamos sua leitura da infância do poeta. Não, necessariamente, por ela ser impossível, mas por ser exageradamente unilateral e por fornecer poucos dados que a confirmem ou a tornem mais aceitável. Podemos dizer que esta leitura se aproxima daquilo que Umberto Eco denominou super-interpretação.
    Com certeza, foram dolorosas a morte do pai, quando o poeta tinha cinco anos; a morte do irmão um ano depois; a partida para a África aos sete anos de idade; até mesmo, mas não obviamente, o segundo casamento da mãe. Porém, somente estes dados não podem levar pacificamente às conclusões que João Gaspar Simões tirou.
    Talvez que, se nunca tivesse deixado a sua Lisboa do Largo de S. Carlos e da Rua de S. Marçal, Fernando Pessoa não houvesse chegado a ser o poeta que foi. Mas, se não tem ido à Africa, isso não há dúvida: não teria sido o poeta que realmente é. O segundo casamento da mãe representa, efectivamente, na sua vida alguma coisa de tão importante que é impossível não datarmos desta dolorosa partida do Tejo o início da aventura poética que fez do autor da Ode Marítima o mais audacioso argonauta da poesia portuguesa do século XX.
    Muitos deixaram os Largos de S. Carlos; muitos foram às Áfricas. Outros tantos perderam pai e irmão na infância. Outros ainda tiveram suas mães re-casadas. Mas poucos (ou nenhum) chegaram a ser poetas da categoria de Fernando Pessoa. Bastava consultar seus apontamentos para descobrir esta nota extremamente lúcida:
    Muitos homens lançam frases que contêm em germe grandes kantismos; mas somente Kant expande as frases à grandeza de mundos.
    O que pode ter acontecido com o crítico é que, entusiasmado com seus conhecimentos psicanalíticos, deslumbrou-se com a chance de aplicá-los ao poeta. Os elementos são de dar água na boca para quem quer ser, nas palavras do próprio Sigmund Freud, um analista selvagem. Menino, consegue livrar-se, com a ajuda do destino, de seus rivais, o pai e o irmão. Sozinho, nada mais o impede de caminhar em direção à sua grande amada, a mãe. Porém, o destino não lhe foi apenas favorável. Surge, como das brumas, um comandante, que se intromete nesta relação sagrada. A mãe, grande traidora, troca o amor do filho pelo do intruso. Partem para terras distantes, levando com eles o menino fracassado, roubando-lhe, inclusive a identidade nacional. O menino, contudo, já moço, consegue escapar de seu forçado exílio, retornando para sua pátria, para viver solitário e infeliz até o fim de seus dias. Este Oedipus Lusitanus estava pronto para ser revelado, tão óbvios seus elementos.
    James Hillman, à procura dos ensinamentos da literatura, pois acredita ter chegado a hora de a Psicologia aprender algo com ela, faz uma importante reavaliação das teorias psicológicas. Associando-as à idéia de enredo, chega à conclusão de que elas não passam de estórias, mitos, que acreditamos ser verdades científicas. Especificamente em relação à Psicanálise, acredita ser ela uma teoria com poucos enredos em sua estrutura: Édipo e mais uns poucos. Como estes enredos condicionam nossas maneiras de ver e de agir, a psicanálise tende a ler o mundo de acordo com esta escassez. Tudo é visto Edipicamente, não há espaço para outras perspectivas míticas. Numa verdadeira psicologia politeísta, Édipo é apenas um dos enredos, por mais importante que ele seja. Esta escassez de enredos pode ser vislumbrada na seguinte conclusão óbvia de João Gaspar Simões, ao pesquisar os documentos de Fernando Pessoa.
    Não tocámos, porém, na correspondência pelo poeta recebida da mãe e zelosamente por ele guardada, excesso de delicadeza de que mais tarde nos arrependeríamos. Com surpresa verificámos, todavia, que as cartas do poeta endereçadas à mesma senhora não haviam sido por ela conservadas — por ela ou por quem as herdara depois da sua morte, caso ela as houvesse conservado — e disso tirámos conclusões aliás óbvias. Se o filho guardara como um tesouro as cartas da sua mãe e a mãe não guardara as do seu filho, sem dúvida muito mais preciosas, até do ponto de vista literário, a conclusão a tirar era só uma: não ser grande nem o amor nem o apreço intelectual inspirados à mãe pelo filho.
    Sem dúvida, mais um exemplo de super-interpretação e de um enredo mono-mítico e mono-lítico que se repete. Fornecendo alguns dados históricos: a mãe de Fernando Pessoa, morando em Durban, na África do Sul, ficou viúva pela segunda vez; com seus três filhos planejou voltar para Portugal logo que ficassem mais velhos; neste intervalo ficou entrevada com todo o lado esquerdo do corpo afetado; voltou com os filhos para Portugal. Fernando Pessoa foi buscá-los no navio, "trêmulo, deslumbrado, ante aquela ruína cujo descalabro não via, tão ardente, tão ávido o seu desejo de a estreitar nos braços", como descreveu o crítico.

    Vamos testar nossas capacidades imaginativas e nossos dons literários, descobrindo outras possibilidades ao destino das cartas, visto que João Gaspar Simões não sabia o que ocorrera verdadeiramente com elas. Além da que ofereceu, que pode ser correta, não discutimos isso, podemos imaginar estas outras. A mala com as cartas foi roubada, ou ,na mudança , foi esquecida em Durban. A mãe, por sofrer com a saudade do filho, queimava as cartas num gesto mágico para fazer desaparecer o sofrimento. Um dos irmãos, invejoso de seu irmão poeta, destruiu as cartas. Devido ao problema cerebral que a mãe teve, ela não se lembrava mais onde havia guardado as preciosas cartas de seu filho poeta. Uma criada, condoída com o sofrimento da patroa ao receber as cartas de Portugal, as escondia para que não fossem por ela re-lidas. Elas desapareceram no incêndio que destruiu um grande armário, que ficava ao lado da lareira, onde eram guardados documentos importantes. O padrasto, enciumado,
    destruiu-as após uma discussão com a esposa. Pura e simplesmente as cartas não estavam guardadas junto aos papéis do poeta. Por conterem revelações íntimas do poeta à sua mãe, os herdeiros das cartas as esconderam dos olhares curiosos de pesquisadores. Para James Hillman a imaginação é inesgotável, daí o parar ser uma arte.
    As teses apresentadas por Roland Barthes, Gaston Bachelard e Francisco Achcar são suficientes, acreditamos, para criar um tensão e uma dúvida na fácil e, por vezes, ingênua relação entre autor e obra. Vamos, contudo, permanecer um pouco mais no tema. James Hillman nos oferece, amante que é das inversões, uma outra maneira de olharmos esta relação personalidade-obra. Denominou-a de "vida vivida de frente para trás". Para que não pareça absurda é preciso nos lembrar que a marca da poesia de Fernando Pessoa e da psicologia de James Hillman é o fingimento poético ou perspectiva ficcional.
    A inspiração dessa teoria, declara Hillman, veio da contemplação de uma das últimas telas de Picasso, Le Jeunne Pintre (O Jovem Pintor), realizada um ano antes de sua morte. Em rápidas e esquemáticas pinceladas, ela retrata um jovem pintor com um olhar agudo e obscuro, segurando uma paleta e um pincel, concentrado, como se estivesse espreitando o que pintar. Hillman a experimentou como se fosse o auto-retrato do daimon que habitou Picasso durante toda sua vida..
    No final, ele emergiu e mostrou-se. "Aqui", ele disse, "este é quem você é, Picasso, você sou eu, o pintor sempre jovem"... "Agora você vê quem te impulsionou, que te manteve puro e ativo, agora você já pode morrer."
    A vida de Picasso concentrou-se em servir a esta figura, a este daimon, palavra grega utilizada para nomear um guia, um espírito-diretor, um anjo, um mestre, qual Alberto Caeiro, um gênio.
    Se em nós habita um gênio, se nosso caminhar visa a realização deste gênio, sua individuação, muitas complicações da história concreta de uma pessoa podem ser compreendidas como um conflito entre as circunstâncias da vida cotidiana com as instruções e intenções do gênio.
    Algumas vezes, o gênio parece mostrar-se somente em sintomas e desordens, como uma espécie de medicina preventiva, mantendo-te afastado de rotas falsas.
    Ou seja, o gênio pode aparecer sob a forma de comportamentos classificados como patológicos. Por isso, a proposta de James Hillman de fazermos uma ampla revisão do nosso pensamento educacional, reavaliando as crianças e seus problemas.
    Não podemos compreender Leonardo da Vinci examinando seu relacionamento distorcido com sua mãe, como Freud tentou. Milhares de nós, milhões e milhões de nós, tiveram toda espécie de problema materno, mas há somente um Leonardo. E a excepcionalidade de Leonardo pode proporcionar melhores imagens e uma abordagem melhor e mais interessante aos meus problemas maternos do que compreender os problemas maternos ajudarão a compreender Leonardo.
    Invertidos, dessa forma, os parâmetros habituais de raciocínio, podemos aplicar esta teoria a Fernando Pessoa . Ele não criou os heterônimos porque era uma criança tímida e retirada, mas era uma criança tímida e retirada porque nele já habitava o daimon que o levaria a criar os heterônimos e seus questionamentos intensos. Absurda a teoria? Invoquemos a ajuda de Alberto Caeiro, deslocada de seu contexto, mas, em todo caso, útil.

    Por que razão que se perceba
    Não há de ser ela mais verdadeira
    Que tudo quanto os filósofos pensam
    E tudo quanto as religiões ensinam?
    Seguramente, se é possível usarmos esta palavra em relação a Fernando Pessoa, ele apreciaria esta teoria, visto ter sido o tema do gênio criador uma de suas principais preocupações e ao qual dedicou inúmeras páginas.
    Podemos encontrar num pequeno trecho de sua última carta à sua única namorada, a jovem Ophélia, uma importante manifestação desta questão. A carta, escrita em novembro de 1920, dava por encerrada a relação entre os dois. Nela, podemos ler:
    O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existência a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam.
    Não precisamos entender esta obediência a Mestres num sentido esotérico ou iniciático. Basta entendermos como Mestre a personificação de um impulso criador. Compreenderemos porque o poeta teve de dizer isso, com tristeza, à sua amada. Qual novo Camões, do naufrágio, à mulher, preferiu salvar os escritos. Assim ordenou o gênio. Assim determinou o Fado.
    Este tema do gênio, quer como potência que nos habita, quer como capacidade maior de expressão, aparece em inúmeros apontamentos do poeta.
    Hoje só me quero tal qual meu caráter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser.

    Fazendo um apanhando geral do que escreveu, vemos que para Fernando Pessoa o homem de gênio possui uma vida à parte, pois, em geral, é incompreendido na sua própria época. Sua essência é, portanto, a inadaptação ao ambiente. Essa genialidade não consiste numa originalidade absoluta, visto que o mundo está "repleto de idéias brilhantes" e de "génios do casual". O verdadeiro gênio é aquele que transforma esta casualidade em algo universal, por ser capaz de concentrar-se e elaborar as idéias. Por esta elaboração estar um passo à frente de seu tempo, o destino do gênio é a inadaptação à vida social, entendida através de parâmetros de normalidade. Fernando Pessoa é muito reticente em relação à fama e à celebridade. O pequeno gênio obtém fama por ter conseguido uma adaptação à sua época. O grande gênio, a princípio totalmente desconhecido em seu meio, posteriormente sobrevive a todas as épocas. Em seu Ultimatum , Álvaro de Campos, após ter despejado os mandarins, diz que a
    Europa
    Quer o Poeta que busque a Imortalidade ardentemente, e não se importe com a fama, que é para atrizes e para os produtos farmacêuticos.
    A seriedade e a importância dadas à poesia é uma das marcas de Fernando Pessoa, tanto na sua poesia ortônima quanto na heterônima, principalmente em Álvaro de Campos. Em carta ao seu religioso amigo Armando Cortes-Rodrigues, diz que a arte tem de ser feita com a consciência de se estar a cumprir um destino, não apenas consigo, mas com a humanidade. O próprio ato de escrever um bom poema toma proporções gigantescas, como viver ou morrer pelos versos. Dessa maneira Fernando Pessoa julgava que Milton escrevia seus sonetos, coisa rara devido a incapacidade construtiva, a mesquinhez da compreensão, a futilidade da sinceridade, a desordenada pobreza da imaginação que caracterizam nossos tempos.No Ultimatum, Álvaro de Campos diz desprezar o que seja menos que descobrir um Mundo Novo. O objetivo de resgatar o orgulho de ser Português, de pertencer à Raça dos Descobridores, leva ortônimo e heterônimos à conquista de novas glórias e à preocupação constante com o cenário político do
    país. Em Mensagem, Fernando Pessoa canta esta glória de seu povo, no intuito de recuperar sua essência, sua força, seus sonhos. Através do mito de D. Sebastião, sobre o qual mergulhou com fervor, Fernando Pessoa vê facilitado este projeto de re-estruturação nacional. Deixaremos, por enquanto, estas questões Sebastianistas, com a promessa de retomá-las posteriormente.
    Toda a vida do poeta foi direcionada para uma participação ativa na vida social portuguesa, mesmo que esta participação ativa tenha ocorrido no tímido recolhimento do poeta. Ele nunca deixou de dar sua opinião sobre os fatos de sua época. Escrevendo artigos literários e políticos, entrando em confronto e polêmica com pessoas importantes das letras e política portuguesas, Fernando Pessoa não foi, ao nosso entender, o anti-social como freqüentemente é retratado. O problema dos críticos é que, muitas vezes, não param para avaliar as bases de suas próprias críticas, confrontando suas posições. Diferentemente de Fernando Pessoa, não sabem ser muitos. Andrés Ordoñez, por exemplo, escreve que Fernando Pessoa não encontra conforto nem no metafísico nem no concreto social, pois negou-se "à resposabilidade das instituições: família, trabalho, escola etc." Achamos que tudo pode ser visto de outra maneira. Parece que a necessidade de institucionalizar-se exige estes três
    comprometimentos. Com sua recusa, Fernando Pessoa passa a receber o estigma de anti-social. Esquecemos que abrir mão de um caminho universitário, por discordância com seus métodos, como fez Fernando Pessoa, pode ser prova de grande preocupação social. Um protesto solitário, sim, mas um protesto. Da mesma forma não somos sociais apenas constituindo família e trabalhando para ganhar algum dinheiro para manter o sistema econômico funcionando. Fernando Pessoa tinha outras ambições, outros objetivos, e estes resumiram-se na realização de sua obra.
    Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso."
    Quero para mim o espírito [d]esta frase, transformada a forma para casar com o que sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
    Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
    Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
    Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
    É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
    Fernando Pessoa — por não ter constituído família: mulher, dois filhos, a sogra, mais a mãe entrevada; por não ter trabalhado em algum escritório ou Banco, de oito a dez horas por dia, e fazer traduções à noite para poder aumentar sua renda, pois as despesas familiares estavam elevadas; agüentar, até o último momento, só para ter um um diploma universitário, ser julgado por pessoas muitas vezes bem abaixo de sua capacidade — é chamado de anti-social. Está na hora, como dissemos, de os estudiosos avaliarem suas definições e julgamentos. Para tanto a psicologia politeísta de James Hillman será de grande ajuda, pois uma das contribuições fundamentais da Psicologia Arquetípica é a atitude de constantemente revermos nossos pontos de vista e as fantasias que condicionam nosso pensamente.
    Por tudo que foi discutido até agora, é fácil dizer que apresentar o poeta não é tarefa sem riscos. Estes riscos, contudo, são comuns na apresentação de qualquer pessoa que tenha ido às últimas conseqüências na afirmação da complexidade do psiquismo. Fernando Pessoa assumiu toda esta complexidade tanto em relação ao que denominam mundo interno quanto em relação ao mundo externo, tanto em relação aos aspectos positivos quanto aos aspectos negativos desse mesmo psiquismo.
    Ir às últimas conseqüências é caminhar na linha divisória entre razão e loucura, vida e morte, realidade e sonho. Foi nesta faixa estreita e insegura, porém fértil, que o poeta mais e melhor habitou.
    Vamos realizar um pequeno movimento, útil, segundo James Hillman, para quebrar ainda mais a rigidez do pensamento que tem dificuldades de transformar fatos, históricos ou não, em imagens que possam ser trabalhadas poeticamente. Vamos ver Fernando Pessoa como mais um heterônimo, como mais uma figura da alma, libertando-nos de vez do peso da concretitude biográfica. Usando pela primeira vez, em nosso trabalho, a linguagem da alquimia, poesia feita com a matéria, os metais das concretitudes devem ser dissolvidos pelos ácidos da poeticidade.
    Graças a este movimento, seremos capazes de dizer que o nascimento do poeta entre a Igreja dos Mártires e o Teatro Lírico de Lisboa representa a eqüidistância entre religiosidade e drama por ele mantida. Religioso, mas não dogmático, sendo capaz de jogar dramaticamente neste terreno. Dramático, mas nunca esquecendo de manter um respeito e uma fé pelas suas criações (e criaturas e criadores) poéticas.
    Graças a este movimento, podemos compreender o que quis dizer quando do surgimento de Alberto Caeiro. Em 8 de março de 1914, de pé, escreveu mais de trinta poemas sem parar, como numa espécie de êxtase: havia nascido o heterônimo, aparecera seu mestre. Isto pode ter acontecido dessa maneira ou não. Mas dramaticamente foi assim que aconteceu. Isto é que nos importa.
    Graças a este movimento, podemos concordar com José de Almada Negreiros, pintor e poeta companheiro de Fernando Pessoa, numa das melhores caracterizações que existem sobre o poeta:
    Não conheci exemplo igual ao de Fernando Pessoa: o do homem substituído pelo poeta! Esta sobreposição do poeta ao homem, outro que não Fernando Pessoa poderia tê-la feito mal. Mas ele tinha posto efectivamente toda a sua vida na Poesia; ele é exactamente o poeta dos seus versos. A esta cedência do homem ao poeta, chamem-lhe renúncia, convento, morfina, clausura, segredo de resistir, chamem-lhe o que quiserem, mas Fernando Pessoa fê-lo bem, com inteireza e com suas próprias posses.
    Nesta apresentação do próprio poeta como um heterônimo utilizaremos o Livro do Desassossego de Vicente Guedes/Bernardo Soares, semi-heterônimo de Fernando Pessoa, por ele mesmo assim definido e, por isso muito próximos dele. O Livro do Desassossego revela a inclinação do poeta para o sonho e a morte. Neste caso sonho e morte são experiências quase sinônimas, como eram para os gregos. A morte não era o fim, mas a transformação do corpo em eidolon, imagem. Para Hillman, a perspectiva da morte é fundamental quando lidamos com o psiquismo. Deixaremos para mais adiante o estudo desta relação entre morte e psiquismo, adiantando que não é apenas da morte concreta que Hillman está falando.
    Em mim o que há de primordial é o hábito e o jeito de sonhar. As circunstâncias da minha vida, desde criança, sozinho e calmo, outra[s] forças talvez, amoldando-me de longe, por hereditariedades obscuras a seu sinistro corte, fizeram do meu espírito uma constante corrente de devaneios.
    Com esta auto-definição, o poeta coloca-se ontologicamente numa outra dimensão. A sua forma de ver, de sentir, de pensar é caracterizado por este olhar profundo, interno, que brota do âmago do ser.
    Vendo-me de fora, como quase sempre me vejo, eu sou um inapto à ação, perturbado ante ter que dar passos e fazer gestos, inábil para falar com os outros, sem lucidez interior para me entreter com o que me cause esforço ao espírito, nem seqüência física para me aplicar a qualquer mero mecanismo de entretenimento trabalhando.
    Este é o outro lado desta dimensão ontológica: no mundo dos sonhos, no mundo das sombras, as ações são ficções, não precisam transformar-se em ações externas. As ações ficam contidas nas próprias idéias. A musculatura não é importante. Esta ausência de músculos do mundo dos sonhos explica, em parte, a neurastenia auto-diagnosticada de Fernando Pessoa e outros heterônimos, que trataremos de forma mais profunda no respectivo capítulo. Aqui, basta-nos acentuar a diferenciação que James Hillman estabelece entre dois tipos de ego.
    Ego-heróico é um deles. Seu modelo mítico é o herói grego Héracles, Hércules para os romanos, bastante conhecido graças aos seus doze trabalhos, embora outros que realizou não sejam tão bem conhecidos, como aquele que o obrigou a servir de escravo para a Rainha Ônfale, tendo, inclusive, de vestir-se como mulher.28 Contudo, Hércules permaneceu sendo o exterminador de inimigos de reinos e de monstros como o Leão de Neméia e a Hidra de Lerna. O ego-heróico é, pois, nada mais nada menos que o ego apregoado pelas psicologias, cultuado pela cultura, visto como o padrão normal de funcionamento do indivíduo. Visa a adaptação à realidade; é forte, capaz de suportar tensões e conflitos; atuante, dono da própria vontade e da razão; diurno, lutando pelo sucesso e pela independência no mundo real; totalmente imerso nos ideais sociais de normalidade, saúde, adaptação; é conquistador, empreendedor, ativo, com toda sua musculatura apta a agir quando preciso. Este é nosso modelo cultural.
    Como já sabemos que as imagens condicionam nossas maneiras de ver e avaliar — insistindo, mais uma vez, neste ponto, por ser fundamental —, a avaliação feita, através da perspectiva do ego-heróico, sobre qualquer pessoa que não se ajuste aos atributos descritos, só pode ser negativa. Conseqüentemente, se a vida de Fernando Pessoa, heterônimo ou ortônimo, for avaliada à partir deste ponto de vista, as conclusões são aquelas que conhecemos nos diversos relatos sobre sua vida e sua obra. Uma das grandes contribuições da James Hillman para o pensamento atual, conseqüência de sua postura politeísta, como teremos oportunidade de ver, é justamente o questionamento da validade absoluta desta perspectiva. Em outras palavras, deve existir um espaço para que outras perspectivas, outros paradigmas na expressão de Thomas Kuhn, possam existir, que permitam que fatos, pessoas, acontecimentos sejam avaliados de maneiras diferentes.
    Todo o nosso trabalho tem por objetivo não apenas olharmos para Fernando Pessoa e sua obra com as diferentes perspectivas fornecidas pela Psicologia Arquetípica. Mas, também, revelar que tipos de perspectivas Fernando Pessoa e sua obra nos fornecem. Em Álvaro de Campos, por exemplo, percebemos a poética como sendo uma grande crítica deste ego-heróico, visto que sua imagem paradigmática de homem encontra-se em oposição a esta. Em seu Poema em Linha Reta que se inicia com os seguintes versos
    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
    Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
    Álvaro de Campos revela a imagem de homem que assume seus medos, suas fraquezas e os fracassos do dia a dia.
    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
    Eu tantas vezes irespondivelmente parasita,
    Indesculpavelmente sujo,
    Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
    Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
    Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogan- te,
    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
    Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
    Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedindo em- prestado sem pagar,
    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
    Para fora da possibilidade do soco;
    Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
    Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
    A experiência do fracasso é fundamental para desenvolver um sentido de alma. James Hillman, analisando as relações entre fracasso e psicoterapia, critica o modelo normativo que impera na maioria das correntes da Psicologia. Nelas, fracasso e sucesso são concebidos como opostos. Eliminar os fracassos da vida de uma pessoa, em quaisquer áreas de sua existência, é o objetivo da maioria das psicoterapias. Embora o modelo médico ainda prevaleça, Hillman nos lembra que a psicoterapia foi inventada como um meio de receber os fracassados, como um espaço onde o fracasso pode se expressar plena e legitimamente. Com isso, a vida é olhada a partir de uma outra perspectiva completamente diferente daquela do ego-heróico. Na psicoterapia descobrimos que já "levamos porrada"e que continuaremos levando para sempre, pois "levar porrada" faz parte do devir humano. Compreendemos, agora, o que Carl Gustav Jung quer dizer quando fala que a neurose é a melhor amiga do homem.
    Não se deveria procurar saber como liguidar uma neurose, mas informar-se sobre o que ela significa, o que ela ensina, qual sua finalidade e sentido. Deveríamos aprender a ser-lhe gratos, caso contrário teremos um desencontro com ela e teremos perdido a oportunidade de conhecer realmente quem somos. Uma neurose estará realmente "liquidada" quando tiver liquidado a falsa atitude do eu. Não é ela que é curada, mas é ela quem nos cura.
    Portanto, temos, por um lado, atitudes psicoterápicas que tentam se livrar do estranho, do inadaptado, do fracassado e do patológico através de métodos "cirúrgicos", ou seja, com a pura e simples eliminação de suas manifestações. Mas, temos, igualmente, atitudes psicoterápicas que abrigam estas mesmas manifestações para que, como disse Jung, elas nos transformem, para que elas nos ajudem a reavaliar as crenças que acreditamos estabelecidas desde os tempos imemoriais. Realizamos estas transformações e reavaliações através de um mergulho ainda mais profundo na "neurose", acolhendo o fracasso com a intenção de permitir surgir outras atitudes governadas por outros princípios menos heróicos. É esta outra possibilidade de ser que Álvaro de Campos reinvindica. Gente, como escreve, não Príncipes. Em seu Ultimatum, fez estas três proclamações em letras grandes, para chamar mais a atenção e não deixar passar despercebido:32
    O Super-homem Será, Não o Mais Forte,
    Mas o Mais Completo!
    O Super-Homem Será, Não o Mais Duro,
    Mas o Mais Complexo!
    O Super-Homem Será, Não o Mais Livre,
    Mas o Mais Harmônico!
    Para sermos completos, temos que permitir estas experiências de fracasso, por isso não podemos ser fortes. Para senti-las com toda sua força, não podemos recebê-las com dureza, mas sim aceitar a complexidade da vida e das relações. Finalmente, para sermos mais completos e mais complexos, temos de abandonar os desejos ilusórios de liberdade, só a harmonia nos é permitida, e harmonia, não podemos esquecer, é uma negociação com um Outro. Para que estas proposições tenham efeito, algumas modificações deverão ser feitas. O próprio Álvaro de Campos sugeriu três caminhos: abolição do dogma da personalidade, que visa resgatar a consciência de que nossa personalidade está mergulhada e em relação profunda com a personalidade dos outros, resumida na frase "eu sou todos os outros"; abolição do preconceito da individualidade, onde descobrimos que somos "uma síntese malfeita de almas celulares"; abolição do dogma do objetivismo pessoal, com a constatação que a objetividade não passa de
    uma média de várias outras objetividades, visando "uma harmonia entre as subjetividades alheias".Estaremos perto disto, quando aproximarmos o ego-heróico do ego imaginal, nosso segundo tipo de ego.
    A primeira descoberta do ego imaginal é que ele é uma imagem entre outras imagens, heterônimo entre outros heterônimos, aceitando plenamente a multiplicação de seres e situações oferecidas pela imaginação. O ego-imaginal é o ego dos sonhos, onde se comporta apenas como mais uma figura a percorrer os "descampados da alma". Por habitar este mundo dos sonhos — um mundo bidimensional de sombras, em contraste com o mundo tridimensional dos corpos concretos — será capaz de desenvolver uma compreensão metafórica e imaginativa a tudo que ocorre ou se apresenta no psiquismo, em vez de literal e muscularmente agir no mundo da realidade concreta. Por isso, é capaz de acolher o fracasso, a depressão, as repetições, as fantasias, a dependência, aceitando seu papel de andarilho num mundo de imagens.
    Fica fácil reconhecermos, nesta descrição, o nosso poeta. Esta é, em nossa opinião, a perspectiva paradigmática buscada por Fernando Pessoa. Contudo, as coisas não se apresentam nesta simplicidade. O "drama em gente" é mais sofisticado. A existência do mestre Alberto Caeiro e de outras concepções complicam um pouco as coisas. Isto, também, é assunto para mais tarde. Como afirmamos, todo este trabalho gira em torno da desconstrução do um. Escrevendo à la Derrida: nas dobras do um, encontraremos o múltiplo.
    Voltando aos heterônimos Vicente Guedes/ Bernardo Soares/ Fernando Pessoa, já vimos que vive de sonhar e é inapto à ação. Destacaremos mais uma característica.
    Para dar relevo aos meus sonhos preciso conhecer como é que as paisagens da vida nos aparecem reveladas. Porque a visão do sonhador não é como a visão do que vê as coisas. No sonho, não há o assentar da vista sobre o importante e o inimportante de um objeto que há na realidade. Só o importante é que o sonhador vê. A realidade verdadeira dum objeto é apenas parte dele; o resto é o pesado tributo que ele paga à matéria em troca de existir no espaço. Semelhantemente, não há no espaço realidade para certos fenómenos que no sonho são palpavelmente reais. Um poente real é imponderável e transitório. Um poente de sonho é fixo e eterno. Quem sabe escrever é o que sabe ver os seus sonhos nitidamente (e é assim) ou ver em sonho a vida, ver a vida imaterialmente, tirando-lhes fotografias com a máquina do devaneio, sobre a qual os raios do pesado, do útil e do circunscrito não têm acção, dando negro na chapa espiritual.
    Magnífico! Não conseguimos deixar de expressar emoção. Isto porque os escritos de um poeta, mesmo sendo prosa, atingem o coração, que mais tarde James Hillman ensinará que não é nosso.
    O olhar do poeta não percebe o mundo como se ele fosse uma res extensa cartesiana, um mundo de objetos vazios. O olhar do poeta percebe o mundo, pelo contrário, como uma inesgotável fonte de imagens, interessado em descobrir sua retórica. Perceber as imagens do mundo é fotografá-lo com a máquina do devaneio, mas um devaneio que se escreve, no sentido de Gaston Bachelard. Sem este devaneio, o filme vazio da máquina fica velado, apagado, escuro, sem poesia.
    Tudo isso caminha na mesma direção dos últimos trabalhos de James Hillman. Em oposição à concepção do mundo como lugar de objetos vazios, resgata a idéia da anima mundi, a alma do mundo, pela qual entende a imagem que cada coisa oferece através da sua forma visível e disponível à imaginação. O psiquismo, a alma, não se encontra apenas no interior dos seres humanos, mas participa igualmente de todos os objetos, naturais e artificiais, revelado através de suas respectivas auto-apresentações.
    A idéia da anima mundi possui, também, conotações políticas, fazendo com que a psicoterapia saia de uma preocupação exclusivamente subjetiva para um interesse na psicoterapia do mundo.
    Vamos, contudo, continuar com a expressividade apresentada pelas coisas. Sua profundidade já está revelada nas suas formas, cores, textura, etc. Com esta atitude recuperamos um pouco do sentido animal, onde a conexão ocorre via sentidos. A intenção de Hillman é a de desenvolver um senso estético. Ele faz uma advertência. Por senso estético ele não entende meramente uma preocupação com embelezamento. Emprega a palavra estético no seu sentido grego de aisthesis, percepção. Qualquer coisa percebida é estética.
    Assim, o que eu entendo por resposta estética aproxima-se mais do sentido animal da palavra — um faro para a inteligibilidade revelada das coisas, seu som, cheiro, forma, falando para e através das reações do nosso coração, respondendo a olhares e linguagens, tons e gestos das coisas entre as quais nos movemos.35
    Para melhor expressar esta estética animal, Hillman emprega a palavra latina notitia, que deu em português notícia, ou seja, a capacidade de descrever atenta e minuciosamente um determinado fato ou objeto. Isto nos afasta das preocupações causais e teleológicas que imperam na Psicologia. Em vez de por que ou para que, a pergunta é, agora, o que ou como. A linguagem não é mais de explicação, mas uma linguagem de descrição. O heterônimo Ricardo Reis associa essa maneira de ver aos Deuses, num poema onde mostra que superfície e profundidade são, nesta perspectiva, uma só coisa.
    Para os Deuses as coisas são mais coisas.
    Não mais longe eles vêem, mas mais claro
    Na certa Natureza
    E a contornada vida...
    Não no vago que mal vêem
    Orla misteriosamente os seres,
    Mas nos detalhes claros
    Estão seus olhos.
    A Natureza é só uma superfície.
    Na sua superfície ela é profunda
    E tudo contém muito
    Se os olhos bem olharem.
    Aprende, pois, tu, das cristãs angústias,
    Ó traidor à multíplice presença
    Dos deuses, a não teres
    Véus nos olhos nem na alma.
    Esse olhar mais claro, esse bem olhar com os olhos, é amplamente estudado por James Hillman em seu livro O Pensamento do Coração. Deixaremos para o próximo capítulo uma discussão mais pormenorizada sobre este tema.
    Ao longo de sua vida, Fernando Pessoa constantemente preocupou-se em criar ou fundar movimentos estéticos-literários. Dois destes movimentos denominou Paulismo e Inteseccionismo. Mas é com o Sensacionismo que o poeta mais se aproxima do senso estético mencionado por James Hillman. Quando escreve: "tudo está detalhado em plena luz",estamos diante da percepção animal direta de que nos fala Hillman.
    Segundo o Sensacionismo, entre a sensação e o objeto nada se interpõe, nem mesmo uma reflexão. Diremos que a reflexão brota diretamente da percepção do objeto por intermédio de sua manifestação. Portanto, segundo Fernando Pessoa, são três os princípios do Sensacionismo em relação à arte.
    1. Todo objeto é uma sensação nossa.
    2. Toda a arte é a conversão duma sensação em objeto.
    3. Portanto, toda a arte é a conversão de uma sensação numa outra sensação.
    As sensações não são apenas as que encontramos nos objetos do mundo exterior, as idéias são também sensações, mas colocadas fora do espaço e, talvez, do tempo. De qualquer maneira o objeto da arte é uma terceira espécie de sensação. As sensações do exterior dão origem à ciência. As sensações do interior, à filosofia. Somente as sensações abstratas dão origem à arte, pois
    a arte é uma tentativa de criar uma realidade inteiramente diferente daquela que as sensações aparentemente do exterior e as sensações aparentemente do interior nos sugerem.
    Com este pequeno movimento, acrescentando um terceiro, Fernando Pessoa acha uma saída, brilhante por sinal, para sua concepção da poesia como fingimento. No próximo capítulo, quando estaremos apresentando James Hillman, veremos que esta idéia de terceiro também é fundamental para sua Psicologia. Dessa forma, a Literatura não é pura transcrição de sensações, mas um trabalho de criação sobre estas sensações. Não fosse isso, Alberto Caeiro, o heterônimo que poetiza a Natureza, poderia ser substituído facilmente por um botânico ou um geólogo. Mas, quando Alberto Caeiro e um botânico olham para uma rosa, por exemplo, os textos que eles produzem são completamente diferentes. Álvaro de Campos diz que o fim da arte não é conhecer fatos — objetivos da ciência e da metafísica —, mas substituir fatos. Gaston Bachelard está certo: a imagem poética é uma novidade.
    A sensação também não é algo simples. O interseccionismo nos faz conscientes de que uma sensação é várias sensações misturadas, o que podemos constatar no poema Chuva Oblíqua. Perceberemos como Fernando Pessoa mistura, com maestria, sensações cujos limites são apagados, fundidos e confundidos e não se sabe, com certeza, as fronteiras que separam realidade e sonho, interno e externo, sujeito e objeto.
    Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
    E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
    Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
    Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
    O porto que sonho é sombrio e pálido
    E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
    Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
    E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol
    Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
    O vulto do cais é a estrada nítida e calma
    Que se levanta e se ergue como um muro,
    E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
    Com uma horizontalidade vertical,
    E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
    Não sei quem me sonho...
    Súbito toda a água do mar do porto é transparente
    E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá esti- vesse desdobrada,
    Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
    E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
    Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
    E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
    E passa para o outro lado da minha alma...
    Ainda nos textos críticos de Fernando Pessoa e companhia ilimitada, somos informados que o Sensacionismo é apenas uma atitude, mas uma atitude aberta, aceitando todas as escolas "com a condição de não aceitar nenhuma separadamente".
    Esta abertura também é encontrada na Psicologia Arquetípica, na medida em que James Hillman busca em todas as reorias existentes, idéias e fantasias que possam ser interessantes para compreendermos melhor a alma, mas sem nenhuma preocupação de cristalizar-se em sistema.
    No poema de Ricardo Reis citado acima observamos que é associada aos Deuses uma capacidade de ver mais claro. Pois bem, é em relação ao paganismo e em oposição ao "cristismo" que o Sensacionismo fundamentará ainda mais suas bases.
    Falar de paganismo é falar de Alberto Caeiro, o Mestre, principalmente através dos seus críticos Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Antônio Mora.
    Para Ricardo Reis a atitude de Alberto Caeiro é de um objetivismo total. O pensamento é impedido de agir, somente os sentidos são aceitos. Na frase "A Natureza é partes sem um todo", o todo é algo que não existe, simplesmente por não poder ser visto. Este verso de Alberto Caeiro, tirado de um dos poemas que compõem O Guardador de Rebanhos, faz Álvaro de Campos defini-lo não apenas como um pagão, mas o próprio paganismo. Ricardo Reis expressa-se, com entusiasmo, sobre este paganismo de Caeiro: "O Grande Pã renasceu!".
    Alberto Caeiro, "Argonauta das sensações verdadeiras", vê com os olhos, mas não com a mente. Não imagina sermões surgindo de pedras, mas das pedras só vê que são pedras e que existem. Caeiro nos ensina a curvar perante a objetividade das coisas, mas também perante os elementos primitivos da própria natureza do homem. Sua ética é a da simplicidade, mas com um profundo desprezo pelos humanismos e pelo destino dos homens. À civilização prefere a Natureza. Tudo isto são considerações de Ricardo Reis a respeito da obra de Alberto Caeiro. Porém, não deixa de acrescentar que, a verdadeiramente surpreendente característica do poeta, é justamente o fato de ser poeta.
    Não é apenas Ricardo Reis que fica surpreso com este traço de Alberto Caeiro. Todos os críticos e estudiosos da obra de Fernando Pessoa apontam o paradoxo de o heterônimo ser um poeta e fazer uma anti-poesia. É o próprio Caeiro que se define assim.
    Não tenho ambições nem desejos
    Ser poeta não é uma ambição minha
    É a minha maneira de estar sozinho.
    Para Jacinto do Prado Coelho, Caeiro, o "poeta do real absoluto"43 condena a deturpação do real pelo pensamento e pelas palavras. Para Rinaldo Gama, em tese recém publicada sobre a poesia do heterônimo, Caeiro cria um "impasse poético", na medida em que despreza a linguagem e favorece a percepção direta das coisas. Para Rinaldo Gama, sua poesia é
    Uma poesia para acabar com a poesia. Uma poesia que já nem quer imitar, mas diluir-se de tal modo no seu objeto, as sensações verdadeiras, que passe a ser exatamente isso — as sensações verdadeiras.44
    Rinaldo Gama vai mais além. Vê nesta negação da palavra uma tentativa radical de negar a própria natureza humana, atravessada constantemente por signos e pela linguagem.
    Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
    Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
    E que para de onde veio volta depois
    Quase à noitinha pela mesma estrada.
    Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas...
    A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
    Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
    E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.45
    Esmiuçando mais a obra de Caeiro, verificamos sua resistência a pensar algo além do que está vendo, mesmo que para isso utilize o pensamento. Quer viver o seu momento, no seu tempo e no seu espaço geográfico. Apegado a um aqui e agora precisos que não se deixam derrubar. Por exemplo, quando fala do rio de sua aldeia.
    O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
    Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
    Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
    O Tejo tem grandes navios
    E navega nele ainda,
    Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
    A memória das naus.
    O Tejo desce pela Espanha
    E o Tejo entra no mar em Portugal
    Toda a gente sabe isso.
    Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
    E para onde ele vai
    E donde ele vem.
    E por isso, porque pertence a menos gente,
    É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
    Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
    Para além do Tejo há a América
    E a fortuna daqueles que a encontram.
    Ninguém nunca pensou no que há para além
    Do rio da minha aldeia.
    O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
    Quem está ao pé dele está só ao pé dele.46
    Os conhecimentos necessários para saber o Tejo não são obtidos olhando-se para o Tejo. Quando se olha para além do Tejo, não se vê a América. Por outro lado, para se viver o rio da aldeia não é necessário conhecer sua geografia, só estar ao pé dele.
    Além dessa inserção absoluta no momento e no local, Alberto Caeiro também se recusa a ir além da aparência e de constituir memória. Conseqüentemente, não tem história, só poemas. Alerta àqueles que desejarem escrever sua biografia que só possui duas datas: a da nascença e da morte. Quer que os pássaros, mais que os animais, o ensinem a não deixar rastros. Nem pensar em Deus é legítimo, porque pensar é desobedecê-lo, pois Deus não se quis mostrar. Quer ter a sensação de olhar pela primeira vez uma coisa, como o homem primitivo que só via o sol, mas não o adorava, ou como o pasmo essencial que tem a criança ao reparar que nasceu. Acima de tudo, não quer ser um doente poeta místico, que fala da alma das pedras, dos sentimentos das flores e êxtases dos rios. Para Caeiro pedras não têm alma, flores não têm sentimentos, rios não têm êxtases, apenas existem.
    Há metafísica bastante em não pensar em nada.
    O que penso eu do mundo?
    Sei lá o que penso eu do mundo!
    Se eu adoecesse pensaria nisso.
    Que idéia tenho eu das cousas?
    Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
    Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
    E sobre a criação do Mundo?
    Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
    E não pensar. É correr as cortinas
    Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
    O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
    O único mistério é haver quem pense no mistério.
    Quem está ao sol e fecha os olhos,
    Começa a não saber o que é o sol
    E a pensar muitas cousas cheias de calor,
    Mas abre os olhos e vê o sol,
    E já não pode pensar em nada,
    Porque a luz do sol vale mais que pensamentos
    De todos os filósofos e de todos os poetas.
    A luz do sol não sabe o que faz
    E por isso não erra e é comum e boa.
    Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
    A de serem verdes e copadas e de terem ramos
    E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
    A nós, que não sabemos dar por elas.
    Mas que melhor metafísica que a delas,
    Que é a de não saber para que vivem
    Nem saber que o que não sabem?
    "Constituição íntima das cousas"...
    "Sentido íntimo do Universo"...
    Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
    É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
    É como pensar em razões e fins
    Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
    Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
    Pensar no sentido íntimo das cousas
    É acrescentando, como pensar na saúde
    Ou levar um copo à água das fontes.
    O único sentido íntimo das cousas
    É elas não terem sentido íntimo nenhum.
    Não acredito em Deus porque nunca o vi.
    Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
    Sem dúvida que viria falar comigo
    E entraria pela minha porta dentro
    Dizendo-me, Aqui estou!
    (Isto é talvez ridículo aos ouvidos
    De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
    Não compreende quem fala delas
    Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
    Mas se Deus é as flores e as árvores
    E os montes e sol e o luar,
    Então acredito nele,
    Então acredito nele a toda a hora,
    E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
    E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
    Mas se Deus é as árvores e as flores
    E os montes e o luar e o sol,
    Para que lhe chamo eu Deus?
    Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
    Porque, se ele se fez, para eu o ver,
    Sol e luar e flores e árvores e montes,
    Se ele me aparece como sendo árvores e montes
    E luar e sol e flores,
    É que ele quer que eu o conheça
    Como árvores e montes e flores e luar e sol.
    E por isso eu obedeço-lhe,
    (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
    Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
    Como quem abre os olhos e vê,
    E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
    E amo-o sem pensar nele,
    E penso-o vendo e ouvindo,
    E ando com ele a toda hora.
    Este belíssimo "anti-poema" foi citado em toda sua extensão porque resume, ao nosso ver, a quinta-essência de sua concepção do mundo. Contudo, consideramos que o sensacionismo de Alberto Caeiro é diferente do sensacionismo do restante da antologia pessoana. Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Ricardo Reis não conseguem esta simplicidade absoluta, não conseguem impedir de ouvir sermões nas pedras e sentimentos nas flores.
    O sensacionismo de Alberto Caeiro também é diferente do sensacionismo de James Hillman.
    Num pequeno (mas profundo) artigo que possui o expresivo título "From Mirror to Window: Curing Psychoanalysis of its Narcissism" (Do Espelho para a Janela: Curando a Psicanálise de seu Narcissismo), James Hillman demonstra que a inclinação narcísica da própria psicanálise é responsável pelo abandono do mundo como um lugar sofisticado para o conhecimento da alma. Este narcisismo a faz pensar que o único locus legítimo da psicologia é o interior do homem no consultório de seu terapeuta. Paciente e analista fechados numa sala, um diante do outro, como diante de um espelho, na esperança de decifrarem os enigmas do inconsciente. Segundo Hillman, este vaso fechado deve ser quebrado para que a libido ou energia psíquica dos participantes possa fluir em direção à alma do mundo. Esta libido é denominada pela psicanálise de "libido objetal", mas para Hillman não passa de um nome técnico para aquilo que chamamos de amor pelo mundo, "o desejo erótico pela anima mundi".

    Até aqui, podemos considerar que Caeiro e Hillman estão caminhando, senão lado a lado, ao menos muito próximos. Mas Alberto Caeiro, fechando-se nas sensações, não se permite ver além, como disse no longo poema acima, nem além acredita existir. Perde, o que é fundamental tanto para Fernando Pessoa quanto para James Hillman, a capacidade tropológica de imaginar, de entrar em contato com a alma do mundo transmitida pelas sensações.
    Certa vez, passeando por um jardim japonês, em Kyoto, Hillman pôde experimentar uma "psicanálise-jardineira", tirando uma série de "insights" deste passeio.
    Hillman percebeu que o jardim não possuía um lugar central para que pudesse ser observado como um todo. Ele só se revelava em partes. Em vez de totalidade há singularidades. Em troca de uma visão global, o jardim só permitia perspectivas. Por não ter centro, o jardim obrigou-o a mudar constantemente de pontos-de-vista. Mesmo uma única árvore fornecia perspectivas diferentes à medida que girava ao seu redor. Observou que não havia árvores "individualizadas", pois todas se tocavam de alguma maneira. Concluiu que a individualidade pode ser algo inserido numa comunidade. Pensou nas teorias psicológicas que pregam a individualização através de uma separação, muitas vezes literal, como um afastamento da família, em vez de ser diferente na família. No jardim havia árvores velhas, sustentadas por estacas, mas que, mesmo assim, não deixavam de brotar e dar frutos. Percebeu que existiam também árvores novas e árvores mortas. Vida e morte lado a lado. Que jardim estupendo! Ampara e
    aceita o dependente, o velho, o aleijado, o novo e o morto. Acredita que com um pequeno apoio seres continuam criando alguma coisa. (Quem sabe, João Gaspar Simões, não ter sido esse apoio o que procurou nosso poeta para poder florir com mais tranqüilidade. Mesmo assim, o jardim que nos deixou, com seu baú cheio de sementes, é verdadeiramente magnífico). Em resumo:
    O jardim torna-se totalmente metáfora, tanto o que ele é e o que ele não é, presença e ausência ao mesmo tempo.49
    Hillman diz mais. Nós próprios somos transformados em metáfora. Neste instante, Caeiro e Hillman afastam-se em seus caminhos. Ousamos dizer que a poesia de Alberto Caeiro é uma poesia literal, mesmo que seus rebanhos sejam pensamentos, sua alma como um pastor, seu olhar nítido como um girassol, que flores e pedras não escrevem poemas, que seu menino Jesus fugiu do céu e que ser poeta é andar com-o menino. Por tudo isso, surge a pergunta: Por que Caeiro foi Mestre?
    Muitas respostas foram tentadas. Rinaldo Gama cita um trecho do artigo "Metafísica da Negação: A Negação da Metafísica na Poesia de Alberto Caeiro" de Júlia Cuervo Hewitt, onde a autora nos fornece três razões para Alberto Caeiro receber este título honorífico:
    ... três idéias principais, duma perspectiva pós-modernista: 1) Caeiro exprime, sem exprimir, uma filosofia que evoca, hoje, alguma semelhança com as idéias de Michel Foucault quanto ao questionamento do absoluto, da abstração e das classificações enciclopédicas de todo conhecimento. Caeiro e Foucault descobrem que por trás do nome não há verdade absoluta, que o nome, duma maneira saussuriana, confirma o processo imaginativo de ficcionalização: o jogo dos labirintos borgianos. 2) O texto, sendo uma seqüência de palavras, sempre arbitrárias, perde a sua referência no mundo real; Caeiro descobre que não há Natureza no mundo real, enquanto que nós, os leitores, sabemos que nesse mundo real que Caeiro tanto ama, não há um Caeiro. 3) Caeiro apresenta-se aos outros heterônimos como o super-poeta. Em Caeiro encontra-se a liberdade total do "super-homem", livre, simples, além dos enquadramentos do pensamento ocidental.
    Massaud Moisés vê em Alberto Caeiro aquele que pretende ser meramente poeta, vivendo no campo, sem nenhuma outra ocupação que não a de escrever poesia, espécie de modelo de poeta. Inventa e ensina a arte da poesia por estar constantemente correndo o risco de não ser poeta, por sua anti-poesia e por sua arriscada proximidade com a prosa. É mestre, também, por ensinar a todos a fingir ser natural. Por último, acrescenta Massaud Moisés, Alberto Caeiro ensina o caminho de regresso "à matriz das metáforas", ou seja, a Natureza. A origem da poesia não é o poeta.
    Já para Fernando Segolin, Alberto Caeiro é Mestre por melhor encarnar o paganismo e seu fundamento, o sensacionismo.
    Nossa contribuição ao tema caminha numa outra direção, embora sugerida no título do artigo de Júlia Cuervo Hewitt.52 Alberto Caeiro é Mestre de Fernando Pessoa e dos heterônimos por sua metafísica ser uma negação da metafísica.
    Fernando Pessoa, em carta a Adolfo Casais Monteiro, revela o clima psíquico que favoreceu o aparecimento de Alberto Caeiro. Tudo começou como uma brincadeira com Mário de Sá-Carneiro, "de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade".53
    Esforçou-se em criar algo, mas nada conseguiu. De repente, de pé ao lado de uma cômoda, num dia que o poeta classifica como o mais glorioso de sua vida, escreveu mais de trintas poemas sem parar. Surgiu Alberto Caeiro. Fernando Pessoa imediatamente sentiu que aquele era seu mestre.
    Isto ocorreu em 1914, um ano antes da publicação do primeiro número de Orpheu, revista criada por Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, José de Almada Negreiros, Armando Cortes-Rodrigues, Luís de Montalvor e outros. Na opinião de Massaud Móises, esta revista causou uma transformação radical na Literatura Portuguesa, levando-a a ingressar no Modernismo.
    Neste contexto, portanto, havia necessidade de um poeta bucólico, poeta do campo simples e espontâneo? A resposta é afirmativa. Ela explica a existência de Alberto Caeiro, que representa quase que um resgate de uma "estética arcádica"54: a vida compartilhada com a Natureza, principalmente dos pastores, em oposição às complicações da existência na cidade, mergulhada em suas complexidades e tumultus, descrita com extrema acuidade por Fernando Pessoa.
    O aumento das facilidades de transporte, o exagero das possibilidades de conforto e da vantagem, o acréscimo vertiginoso dos meios de diversão e de passatempo — todas essas circunstâncias, combinadas, entrepenetradas, agindo quotidianamente, criaram, definiram, um tipo de civilização em que a emoção, a inteligência, a vontade, participam da rapidez, da instabilidade e da violência das manifestações propriamente, diariamente típicas do estádio civilizacional. Em cada homem moderno há um neurastênico que tem que trabalhar. A tensão nervosa tornou-se um estado normal na maioria dos incluídos na marcha das cousas públicas e sociais. A hiperexcitação passou a ser regra.
    Que contraste com o mundo cheio de flores e árvores e montes e sol e luar trazido por Caeiro! É bastante significativa, neste sentido, a "confissão" de Ricardo Reis de ver no heterônimo não apenas beleza, mas também consolação.
    Para o espírito que se sente exilado entre a confusão e a imperícia da vida contemporânea, há momentos em que o peso dessa diferença tão dolorosamente se acentua, que é preciso qualquer reflexo da placidez e da grandeza antigas para obstar a que advenham as piores maldades do desespero.
    Caeiro, continua Ricardo Reis, é como a criança que distrai o adulto, afastando-o momentaneamente dos seus seriíssimos problemas, trazendo-o de volta a um tempo e espaço qualitativamente reconfortante.
    Porem, entre Caeiro ser o Mestre e os discípulos bons discípulos, há uma grande distância. Basta compararmos o poema de Alberto Caeiro, que transcrevemos mais acima, com quatro poemas seguintes do Fausto de Fernando Pessoa.
    Paro à beira de mim e me debruço...
    Abismo... E nesse abismo o Universo
    Com seu Tempo e seu Espaço é um astro e nesse
    Abismo há outros universos, outras
    Formas de Ser com outros Tempos, Espaços
    E outras vidas diversas desta vida...
    O espírito é antes estrela... O Deus pensado
    É um sol... E há mais Deuses, mais espíritos
    Doutras maneiras de Realidade...
    E eu precipito-me no abismo, e fico
    Em mim... E nunca desço... E fecho os olhos
    E sonho — e acordo para a Natureza...
    Assim eu volto a/Mim/ e à Vida...
    Neste poema encontramos também a imagem da Natureza como consolo, mas uma Natureza alcançada através do sonho, numa espécie de sonho dentro do sonho. Para fora deste sonho, o abismo do ser, que revela toda a legião de outros seres e de outros mundos possíveis
    Ah, tudo é simbolo e analogia!
    O vento que passa, a noite que esfria
    São outra cousa que a noite e o vento —
    Sombras de vida e de pensamento.
    Tudo que vemos é outra cousa.
    A maré vasta, a maré ansiosa,
    É o eco de outra maré que está
    Onde é real o mundo que há.58
    Para Caeiro, vento só é vento, noite só é noite e existe apenas uma maré. O resto são apenas pensamentos. Não existem na Natureza.
    Mais que a existência
    É um mistério o existir, o ser e o haver
    Um ser, uma existência, um existir —
    Um qualquer, que não este, por ser este —
    Este é existir — não nós ou o mundo —
    Mas existir em si?
    Caeiro ficaria arrepiado diante deste poema. Classificá-lo-ia como um dos doentes poemas místicos e riria muito. Novamente, puro pensamento, pois a existência não existe, só as coisas. Alberto Caeiro não faz filosofia.
    Essa simplicidade d'alma
    Possuída não só dos inocentes
    Mas até dos viciosos, criminosos
    De ter uma (...)
    Sem constantemente analisar
    O que vai no seu ser, essa pureza
    Que faz a vida leve mesmo ao mais
    Sério, que nunca nos de todo afasta
    Da criança em nós, essa simplicidade
    Perdi-a e só me resta um vácuo imenso
    Que o pensamento friamente ocupa.
    Medo da morte não; horror da morte.
    Horror por ela ser, pelo que é
    E pelo inevitável (...)
    O próprio Fausto se apresenta nostálgico pela perda da simplicidade. As reticências entre parênteses, sinal de falha do original de Pessoa, podem ser facilmente preenchidas por várias palavras. Sugerimos "vida". Que dor de não ter mais uma vida que não precise constantemente analisar. De uma vida que não sinta o horror da morte. Não quer dizer que a morte não ocorra nos poemas de Alberto Caeiro. Ela existe, só que sua atitude bucólica o leva a encará-la de outra forma.
    Quando vier a Primavera,
    Se eu já estiver morto,
    As flores florirão da mesma maneira
    E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
    A realidade não precisa de mim.
    A morte é encarada como um processo natural da vida, não gerando qualquer pensamento, só sua constatação.
    É talvez o último dia da minha vida.
    Saudei o sol, levantando a mão direita,
    Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
    Fiz sinal de gostar de o ver antes: nada mais.
    O constraste com o restante da obra de Fernando Pessoa é claro. Alberto Caeiro existe, nada mais, verdadeiro "axioma da terra", como definiu Álvaro de Campos. Enquanto isso, os outros pensam a existência, sofrem a vida, horrorizam-se com a morte, são esmagados pelo desassossego. Mas, também, escrevem poesia.
    Carl Gustav Jung, num parágrafo que dá a sensação de ter sido escrito em função desta discussão, fala que uma vez deparado com "o problema Faustico" — olhar para o abismo do ser e da existência — não há mais escapatória para uma vida simples, embora nada impeça ninguém de alugar uma casa no campo e comer salada crua. "Mas sua alma rirá de decepção".

    Alberto Caeiro existe como uma possibilidade. Este é seu papel no "drama em gente". Ensina aos heterônimos metafísicos, que buscam um além, uma outra forma de ser, mostrando que há possibilidade de ser de outra forma. Não é de se espantar que Dalila Pereira da Costa, em seu livro "O Esoterismo de Fernando Pessoa", tenha eliminado Alberto Caeiro e Ricardo Reis de seu estudo. Estes últimos aparecem, aos seus olhos, como uma negação do poeta ortônimo e do heterônimo Álvaro de Campos. Tudo de importante, segundo ele, vem de Fernando Pessoa e Álvaro de Campos. Alberto Caeiro traz o "vazio sem significação"64 de uma filosofia que remete unicamente à felicidade terrena. Embora não concordemos com a autora, achamos que ela percebeu bem o sentido e a função de Caeiro, ou seja, não acreditarmos muito nas nossas idéias, a ponto de transforma-las em verdades sistemáticas. É como se ele dissesse a James Hillman que o jardim japonês só revela que é um jardim japonês. O problema é que
    James Hillman retrucaria não apenas concordando em parte com ele, mas dizendo a Alberto Caeiro que o jardim japonês revela mais do que ser simplesmente um jardim japonês. Esta tensão, obra magistral de Fernando Pessoa, só existe quando nos permitimos ouvir várias vozes. Neste sentido, Alberto Caeiro existir é fundamental, como também o é toda a legião. Por este motivo nos detemos tão minuciosamente na discussão do heterônimo.
    Encerramos aqui esta apresentação. Não quisemos fazer dela algo completo. Como um ente, que é como Fernando Pessoa considera as obras, cresceu mais do que prevíamos. Mais que apresentar o todo, nossa intenção foi revelar a complexidade do poeta, garantindo, contudo, que sua auto-apresentação continuará por todas as páginas deste trabalho.



    NOTAS
    1 Pessoa, Obra em Prosa, pág. 66. Itálicos do autor.
    2 Barthes, Roland.
    3 Pessoa, Fernando. Obra Poética, pág. 379.
    4 Bachelard, Gaston. A Poética do Devaneio, pág. 3.
    5 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 65.
    6 Bachelard, Gaston. A Poética do Devaneio, pág. 18.
    7 Bachelard, Gaston. A Poética do Devaneio, pág. 10.
    8 Achcar, Francisco. Lírica e Lugar Comum, pág. 45.
    9 Pessoa, Fernando, Obra em Prosa, pág. 81.
    10 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 55.
    11 Simões, João Gaspar. Vida e Obra de Fernando Pessoa, pág. 60.
    12 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 478.
    13 Simões, João Gaspar. Vida e Obra de Fernando Pessoa, pág. 20.
    14 Simões, João Gaspar. Vida e Obra de Fernando Pessoa, pág. 441.
    15 Hillman, James. We've had a Hundred Years of Psychotherapy, págs. 61-62.
    16 Hillman, James. We've had a Hundred Years of Psychotherapy, pág 65.
    17 Hillman, James. We've had a Hundred Years of Psychotherapy, pág. 66.
    18 Pessoa, Fernando. Obra Poética, pág. 212.
    19 Pessoa, Fernando. Obra Poética e em Prosa, vol. II, pág. 254.
    20 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 42.
    21 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 514.
    22 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 489.
    23 Ordoñez, Andrés. Fernando Pessoa: Um Místico sem Fé, pág. 11.
    24 Pessoa, Fernando. Obra Poética, pág. 15.
    25 Almada Negreiros, José de. Citado em: Quadros, António. Fernando Pessoa: Vida, Personalidade e Génio, pág. 97. Notar a diversidade de opções dadas por Almada Negreiros na tentativa de definição do poeta.
    26 Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego, vol. I, págs. 68-69.
    27 Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego, vol. I, pág. 69.
    28 Brandão, Junito de Souza. Dicionário Mítico-Etimológico, vol. I, pág. 536.
    29 Pessoa, Fernando. Obra Poética, págs. 418-419.
    30 Jung, Carl Gustav. A Situação Atual da Psicoterapia, págs. 160-161.
    31 Hillman, James. Three Ways of Failure and Analysis, pág. 103.
    32 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 520.
    33 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, págs. 517-519.
    34 Pessoa, Fernando. O Livro do Desassossego, vol. I, págs. 70-71.
    35 Hillman, James. Anima Mundi, pág. 84.
    36 Pessoa, Fernando. Obra Poética, pág. 294.
    37 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 424.
    38 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, ´pág. 426.
    39 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 449.
    40 Pessoa, Fernando. Obra Poética, págs. 113-114.
    41 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 434.
    42 Pessoa, Fernando. Obra Poética, pág. 203.
    43 Coelho, Jacinto do Prado. Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, pág.
    44 Gama, Rinaldo. O Guardador de Signos, pág. 70.
    45 Pessoa, Fernando. Obra Poética, pág. 214.
    46 Pessoa, Fernando. Obra Poética, págs. 215-216.
    47 Pessoa, Fernando. Obra Poética, págs. 206-208.
    48 Hillman, James. From Mirror to Window, pág. 69.
    49 Hillman, James. From Mirror to Window, pág. 73.
    50 Hewitt, Júlia Cuervo. Citado in: Gama, Rinaldo. O Guardador de Signos, págs. 26-27.
    51 Moisés, Massaud. Fernando Pessoa, pág. 52.
    52 Infelizmente não tivemos acesso ao trabalho de Júlia C. Hewitt. Portanto, não podemos saber se ela também tomou a mesma direção que estamos tomando. De qualquer modo, fica aqui nosso agradecimento por sua feliz expressão.
    53 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 96.
    54 Moisés, Massaud. Dicionário de Termos Literários, pág. 38.
    55 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 436.
    56 Pessoa, Fernando. Obra em Prosa, pág. 127.
    57 Pessoa, Fernando. Fausto, pág. 70.
    58 Pessoa, Fernando. Fausto, pág. 5.
    59 Pessoa, Fernando. Fausto, pág. 56.
    60 Pessoa, Fernando. Fausto, pág. 69.
    61 Pessoa, Fernando. Obra Poética, pág.236.
    62 Pessoa, Fernando. Obra Poética, pág. 246.
    63 Jung, Carl Gustav. The Relations Between the Ego and the Unconscious, pág. 168.
    64 Pereira da Costa, Dalila. O Esoterismo de Fernando Pessoa, pág. 29.
    Carlos Bernardo
    Psicólogo Clínico, Mestre em Letras
    Doutorando em Literatura Comparada

    posted by iSygrun Woelundr @ 7:24 PM  
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